quinta-feira, 27 de março de 2008

AUTOR:Nelson Rodrigues


"Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante

"Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida.

Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos.

Ou a mulher é fria ou morde.

Sem dentada não há amor possível.

Dinheiro compra tudo.

Até amor verdadeiro.

Só não estamos de quatro, urrando no bosque,

porque o sentimento de culpa nos salva.

No Brasil, quem não é canalha na véspera

é canalha no dia seguinte.

A morte de um velho amigo é uma catástrofe na memória.

Todas nossas relações com o passado ficam alteradas.

Deus só freqüenta as igrejas vazias.

Copacabana vive, por semana, sete domingos.

Não ama seu marido?

Pois ame alguém, e já.

Não perca tempo, minha senhora!

A fome é mansa e casta.

Quem não come não ama, nem odeia.

Todo ginecologista devia ser casto.

O ginecologista devia andar de batina, sandálias

e coroinha na cabeça.

Como um são Francisco de Assis,

com a luva de borracha e um passarinho em cada ombro.

A verdadeira grã-fina tem a aridez de três desertos.

No passado, a notícia e o fato eram simultâneos.

O atropelado acabava de estrebuchar na página do jornal.

Não reparem que eu misture os tratamentos de tu e você.

Não acredito em brasileiro sem erro de concordância.

Nossa ficção é cega para o cio nacional.

Por exemplo:

-não há, na obra do Guimarães Rosa, uma só curra.

Os magros só deviam amar vestidos, e nunca no claro.

Um filho, numa mulher, é uma transformação.

Até uma cretina, quando tem um filho, melhora.

O cardiologista não tem, como o analista,

dez anos para curar o doente.

Ou melhor:

- dez anos para não curar.

Não há no enfarte a paciência das neuroses

Não há ninguém mais vago, mais irrelevante,

mais contínuo do que o ex-ministro.

Nunca a mulher foi menos amada do que em nossos dias.

O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor.

Hoje, o Natal é um orçamento.

Enquanto um sábio negro não puder ser nosso embaixador em Paris,

nós seremos o pré-Brasil.

Se eu tivesse que dar um conselho, diria aos mais jovens:

- não façam literatice.

O brasileiro é fascinado pelo chocalho da palavra.

Qualquer menino parece, hoje, um experimentado

e perverso anão de 47 anos.

Quero crer que certas épocas são doentes mentais.

Por exemplo: - a nossa.

Sexo é para operário.

Desconfio muito dos veementes.

Via de regra, o sujeito que esbraveja

está a um milímetro do erro

e da obtusidade.

Falta ao virtuoso a feérica, a irisada,

a multicolorida variedade do vigarista.